fawcettn_lMais ou menos aos 6 ou 7 anos decidi ser cantora. Escolhi ser americana e inventei um nome: Mary Simens, que para mim era nome de cantora famosa e totalmente anglicano.

Ia para o quintal de terra, subia na laje que cobria o poço e estava no palco; a vassoura ou o rôdo eram meu microfone de pedestal; qualquer pedaço de pano velho era traje de gala e pronto: lá estava a maior cantora de todos os tempos, uma magricela desafinada e cheia de energia.

Sendo americana, é claro que cantava mais em inglês…um idioma inventado ali na hora, sem pé nem cabeça mas que soava extremamente estrangeiro aos meus ouvidos brasileiros e incultos.

Eram os anos 50 e nas matinês do domingo assistíamos empolgados a filmes de Roy Rogers que tinha um cavalo branco e  Zorro,  o mascarado de bigodinho. Roy gritava “aiiiôôô Silveeerrrr” e empinava 0 cavalo na beira de um barranco; era emocionante! Zorro assoviava e o cavalo vinha correndo para que ele pulasse na sela e saísse em disparada atrás dos malfeitores e a criançada sempre aplaudia essa cena! Essas eram as minhas referências para o inglês: o rádio transmitindo músicas em AM e o som horroroso dos filmes que passavam lá no pulgueiro.

A carreira internacional durou pouco. Logo meus pais começaram a censurar porque, com tanta música brasileira bonita, eu dava preferência às músicas estrangeiras e ficava cantando coisas que ninguém entendia. Já que eu ia seguir a vida artística que pelo menos fosse mais patriota! Não aguentando as críticas  mudei de profissão: montei uma barraca em frente ao caminho que as formigas percorriam e fui ser feirante, vendendo folhas de mato, pacotinhos de lama e latas vazias.

A segunda vez que quis ser americana foi nos anos 70 quando começou a ser exibido na televisão brasileira o seriado “As Panteras”. Eu queria ser  Jill Munroe, a personagem interpretada por Farrah Fawcett. Linda, loira, sensual, divertida…

Então, depois de avaliar as minhas possibilidades de ser linda, sexy e divertida, decidi ser loira.

No sábado chamei uma amiga e fomos para o cabeleireiro do bairro. Eu ia virar Jill e minha amiga,  Sabrina. Havia alguns  inconvenientes: meu cabelo era liso, castanho e nunca havia sido tingido, mas nem por isso eu iria desistir . 

Sentei confiante diante do espelho, entreguei minha cabeça nas mãos daquele profissional competentíssimo, e a tranformação começou: tesouradas impiedosas cortaram camadas arrepiadas e fizeram surgir um tipo de franja caindo sobre um olho; quando chegou a hora de fazer a tintura, como o cabelo era escuro, dá-lhe forte descoloração.

Muitas horas depois havia no espelho uma garota loira, com grandes mechas  mais claras dando ao cabelo aquele ar dourado de praia; cachos largos, despenteados e cheios de spray me faziam parecer uma vamp do subúrbio, mas eu estava feliz. O cabelo era mais ou menos parecido com aquele que eu via e invejava nas fotografias da Farrah.

A carreira de pantera, assim como a de cantora estrangeira, durou pouco. Para ser exata, durou o tempo de chegar em casa. Sentindo muita coceira no couro cabeludo resolvi lavar a cabeça e tirar o spray.

E então o cabelo caiu…Não somente alguns fios, mas todas as lindas mechas mais claras, onde a descoloração havia sido mais forte, saiam inteiras nas minhas mãos. Caía cabelo aos montes e eu chorava. Meu pai que queria uma filha patriota mas não careca, estava disposto á ir botar o salão abaixo e foi contido por minha mãe que por sua vez não sabia o que fazer além de dizer que eu não me preocupasse porque ia nascer tudo de novo.

Ela tinha razão. Nasceu sim, mas nunca mais tive aquele cabelo farto e brilhante de antes. Dali para a frente me restou ser  Sabrina, a pantera  morena e “inteligente”  com um cabelinho mingado cortado estilo chanelzinho sem graça.

Depois disso nunca mais quis ser americana.