Moro há quase 20 anos no mesmo apartamento. Reconheço que minha poção princesa  esta mais pra Fiona que pra Cinderela, o que pode explicar porque faço pouca amizade com a vizinhança. Não sou de conversas pelos corredores, não curto falar mal do alheio e detesto reuniõezinhas no hall de entrada do prédio. Compareço às reuniões de condomínio quando os assuntos dizem respeito ao meu bolso e olhe lá.

No meu andar conheço os meus tranquilos vizinhos  de porta (que também estão aqui faz tempo) e a vizinha do outro lado que tem uns cachorros muito dos malcriados reflexo fiel da mamãe deles temperamentais. Quando digo conheço não estou me referindo à nada super profundo e íntimo. Significa que sei o nome deles, mas conheço assim de bom dia e boa tarde; de sorrisos e frases simpáticas  ou perguntinhas de praxe do tipo “tudo bem ?”.

Na extensa lista de minhas amizades estão a irmã da minha vizinha simpática que é uma perua “do bem”; os moradores do apartamento em cima do meu; o atual Síndico e sua mãe, que era Síndica quando me mudei e com quem tive uma discussão antes mesmo de me mudar; uma moradora que tem o mesmo nome que eu, o que faz com que nosso cumprimento seja “e aí xará?” e acho que é só. Alguns outros moradores eu reconheço e sorrio quando os encontro; o restante é como se habitassem alguma planície em Marte.

Levando em conta o período em que estou por aqui e que são 64 apartamentos no total, posso ser considerada uma espécie de Urtigão de saias.

Agora temos um novo morador aqui no andar, e enquanto ele ainda reformava o apartamento, encontrei-o na porta do elevador e trocamos rápidas palavras. Na verdade ele me perguntou educadamente e com muito tato se a vizinha maleducada, dona dos cachorros malcriados com a qual ele dividiria o lado do corredor, era sempre assim tão… digamos… estressada.  Sem nenhum rodeio  respondi que achava ela um tanto perturbada e fiz fofoca, para ilustrar contei dos tapas que ela dava no botão do elevador caso demorasse mais que 30 segundos para chegar, o que fez o vizinho sorrir.

Acredito que essa espécie de cumplicidade trouxe empatia e dias depois, ao encontrá-lo novamente no corredor, peguei a ficha completa: o vizinho é dentista, divorciado, tem dois filhos pequenos e uma namorada médica.  Fui convidada a ver o apartamento reformado, elogiei as soluções adotadas, ele se desculpou pelo barulho infernal pelos inconvenientes da reforma e ficamos ali uma meia hora falando de banalidades.

O jovem vizinho bonitón agora mora aqui ao lado e ocasionalmente escuto as risadas dos filhos que vêm passar os finais de semana com ele e, de quando em quando o encontro na porta do elevador.

Num desses encontros casuais uma grata surpresa: ele me ofereceu bala de goma! Meu simpático e sorridente vizinho dentista comia sem culpa nenhuma aquelas balas super baratas, empilhadas uma sobre as outras, embrulhadas em papel celofane, coloridas, cobertas de acúcar cristal e hiper calóricas. É claro que Imediatamente eclipsei qualquer preocupação com meu sobrepeso e aceitei! 

Comentei que adorava aqueles docinhos vagabundos e rindo muito ficamos ali por algum tempo falando sobre isso. Lembrei dos doces de batata doce e de abóbora, aqueles com casquinha dura que só se diferenciam pela cor já que o formato e sabor são quase idênticos; comentei sobre as  jujubas tingidas em cores fortes (comer as azuis jamais) e da gloriosa Paçoca Amor.

Ele conhecia todos e para me deixar totalmente encantada, entrou de novo em seu apartamento e voltou sorrindo com os 350 dentes brancos e com um brilho infantil nos belos olhos azuis trazendo meus presentes: doce de batata doce, doce de abóbora e balas de goma; timidamente se desculpou por não ter paçoca Amor mas depositou em minhas mãos  3 Paçoquita!!!! Alguém acha que me importei com a mudança das marcas?

Confesso que se ele fosse um pouquinho mais velho eu forraria o corredor com cascas de bananas toda vez que a namorada viesse visitá-lo. Como a realidade é outra me limito a sorrir de orelha a orelha toda vez que o encontro e agradeço aos céus pela existência de um vizinho assim.

Quem sabe na próxima encarnação não nos encontramos com uma idade compatível? Tenho certeza de que reconhecerei aquele brilho no olhar assim que o encontrar na banquinha da esquina comprando docinhos vagabundos. Será uma bela história!!!!