Há cinco anos comprei um pequeno salão de cabeleireiros instalado em um antigo sobrado  e toda manhã, quando chegava ao trabalho, encontrava uma trilha de florzinhas semi-devoradas e espalhadas pelo chão. Descobri que junto com escovas e secadores havia herdado um bando de ratos “jardineiros” que moravam no terreno baldio ao lado e vinham à noite comer nos vasos de flores.

Chamei um dedetizador “especialista” em ratos que cândidamente explicou:

– Esses ratos só morrem com veneno. Vamos espalhar e a senhora vai ver só! Não sobra um!

– Mas, mas…

– Fique tranquila. Eu espalho as iscas de veneno e eles levam pros ninhos. A senhora sabia que são os ratos velhos e doentes que fazem a busca da comida?  Se o rato come o veneno e morre eles já sabem que ali não podem se alimentar e mandam outro velhinho que já tá meio pra morrer procurar em outro lugar; são uns bichos espertos!  Esse veneno aqui não mata na hora, por isso eles levam lá pro ninho. Todos comem, os adultos, os filhotes… e daí o sangue deles seca e morrem lá na toca mesmo. Não fica cheiro nem nada, só os rato seco.

– Mas, mas…

Não consegui sequer pensar em ser responsável por aquela matança indiscriminada e gentilmente disse para o frio e eficiente profissional que iria pensar.

Precisava encontrar um jeito menos violento de lidar com aquilo. Liguei para um veterinário amigo e perguntei o que fazer para os ratos irem embora e a resposta foi: arrume um gato. Ele explicou que os gatos são os predadores naturais dos ratos e que só o cheiro deles já afastaria os visitantes indesejados; podia ser até um filhote que o efeito era o mesmo.

E foi assim que o Spray entrou para a família. Durante um ano eu o levava diariamente para “trabalhar” comigo e o trazia para casa à noite. O negócio de “só ameaçar” funcionou e os  ratos sumiram sem deixar rastros. Quando vendi minha parte na sociedade, recolhi as tijelas, a caminha, os brinquedos e fomos para casa.

O Spray tinha complexo de cão e me seguia por todo canto; como todo gato, sentava na frente do monitor do PC ou da TV quando achava que não estava recebendo atenção suficiente; miava desesperado lançando olhares para a torneira quando queria beber água corrente. Subia no sofá e deitava sobre minha barriga para assistirmos nossas séries favoritas; me olhava feio quando levava bronca porque comia a comida do cachorro.

No começo deste mês ele adoeceu e, apesar de todos os cuidados, na semana passada ele se foi.

Agora deve ter algum lugar no céu onde os ratos não pisam. E certamente não é porque os anjos resolveram usar veneno mas sim porque meu destemido amigo caçador está lá enfrentando e espantando os ratos folgados.